Congresso barra tentativas do governo de cortar verbas controladas por parlamentares e partidos

Por Redação em 23/12/2024 às 07:38:24
Hoje, o Congresso tem R$ 49,2 bilhões do Orçamento da União para ser distribuĂ­do a critério de deputados e senadores,



Diante da queda de braço pelo controle do Orçamento, propostas do governo para reduzir os gastos pĂșblicos e ajustar as contas tĂȘm esbarrado na resistĂȘncia de parlamentares em cortar recursos sob seu domĂ­nio. Em ao menos quatro oportunidades neste ano, o Congresso deu o recado de que não aceitarĂĄ reduzir a verba hoje nas mãos de polĂ­ticos.

A mais recente foi a tentativa da equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de mudar a regra de correção do Fundo PartidĂĄrio, derrubada de Ășltima hora na votação da Lei de Diretrizes OrçamentĂĄrias (LDO), na quarta-feira. Essas verbas são controladas pelos caciques das siglas — alguns deles parlamentares.

O governo havia enviado uma proposta de nova regra de reajuste anual do recurso, que é usado pelos partidos polĂ­ticos com aluguéis, funcionĂĄrios e outros gastos. Pelas contas da equipe econômica, a economia prevista com a nova fórmula seria de R$ 300 milhões ao ano.

A sugestão do Executivo, no entanto, foi derrubada durante a votação da LDO, com a pressão de dirigentes partidĂĄrios, inclusive da base governista. Assim, para 2025, serĂĄ R$ 1,3 bilhão do Orçamento da União destinado às legendas.

Cofres turbinados
O movimento é similar ao que ocorre a cada dois anos para aumentar o fundo eleitoral, outra verba pĂșblica sob controle de dirigentes partidĂĄrios. Neste caso, o recurso é utilizado para o financiamento de campanhas eleitorais.

Em 2024, o valor foi de R$ 4,9 bilhões, um recorde desde que o fundo eleitoral foi criado. A expectativa de parlamentares é que o valor seja ao menos corrigido pela inflação em 2026. HĂĄ pressão, porém, para que cresça acima disso. A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR), chegou a sugerir no ano passado a extinção da Justiça Eleitoral e questionou os gastos com sua estrutura, comparando ao valor destinados ao partidos.

— Mais uma vez o Centrão legisla em causa própria. O fundo partidĂĄrio, que possui valores absurdos para um paĂ­s tão pobre quanto o Brasil, segue turbinado enquanto a perspectiva é vivermos uma das piores crises econômicas nos próximos dois anos. Farinha pouca, meu pirão primeiro — disse o deputado Kim Kataguiri (União-SP).

Em outro movimento para brecar o avanço da tesoura em verbas nas mãos de polĂ­ticos, a Câmara restringiu nesta semana a possibilidade de o governo bloquear recursos de emendas parlamentares, incluĂ­do no pacote fiscal de Haddad. A proposta previa que o governo ficaria autorizado a cortar os recursos indicados por deputados e senadores, inclusive os de pagamento obrigatório, com limite de até 15%. A medida, contudo, foi derrubada pelo plenĂĄrio da Câmara na quarta-feira.


O mesmo projeto também amarrou o governo ao prever que os reajustes das emendas se darão a partir do patamar atual, de cerca de R$ 50 bilhões. A regra anterior só previa vinculação para reajuste de parte dos recursos. Não obrigava, por exemplo, reservar verbas para emendas de comissão, as Ășnicas que não são de pagamento obrigatório e que hoje representam R$ 11 bilhões. No inĂ­cio do ano, porém, uma tentativa de corte nesses recursos também foi rejeitada pelos parlamentares.

— Infelizmente vemos um Congresso que não legisla para o povo e sim em causa própria — afirmou a deputada Adriana Ventura (Novo-SP).

O lĂ­der do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), atribui parte do empoderamento do Legislativo em relação aos gastos pĂșblicos à postura do governo anterior, de Jair Bolsonaro, que delegou aos parlamentares uma fatia maior do Orçamento. Agora, segundo ele, é difĂ­cil que aceitem retroceder:

— Costume do cachimbo deixa a boca torta. O governo anterior fez uma renĂșncia orçamentĂĄria, entregou ao Congresso e permitiu a aprovação de um fundo partidĂĄrio nos termos absurdos que é. Nós temos trabalhado para tentar promover um desmame disso, mas tem sido difĂ­cil.

Vice-lĂ­der do governo e autor do projeto aprovado pelo Congresso para regulamentar as emendas parlamentares, o deputado Rubens Pereira JĂșnior (PT-MA) vĂȘ colaboração do Parlamento com o ajuste fiscal, mas admite que é preciso ceder para construir maioria e aprovar as medidas.

— A solidez fiscal é tarefa de todos, governo, parlamento, sociedade — disse o deputado.

O poder de deputados e senadores sobre os gastos pĂșblicos cresceu nos Ășltimos anos. Em 2024, um quinto de todos os recursos livres do Orçamento da União se concentrou nas emendas, mesmo com o veto de Lula de R$ 5,6 bilhões, no inĂ­cio do ano.

— A gente vĂȘ que os parlamentares estão com a faca e o queijo na mão em termos de decisões orçamentĂĄrias. O ônus e o bônus da estabilidade fiscal e do crescimento econômico recaem sobre o Poder Executivo. Nenhum parlamentar deixa de ser reeleito porque a inflação aumentou ou porque o desemprego aumentou — disse o economista e pesquisador associado do Insper Marcos Mendes.


Hoje, o Congresso tem R$ 49,2 bilhões do Orçamento da União para ser distribuĂ­do a critério de deputados e senadores, dividido em trĂȘs modalidades principais: individual, de comissão e de bancada estadual.

— O Congresso não percebeu que o dinheiro acabou. Seguem numa bolha imaginĂĄria, em BrasĂ­lia, repartindo a raspa do tacho. É lamentĂĄvel. O governo apresentou um pacote fiscal relevante, ainda que insuficiente, jĂĄ o Congresso, para aprovar justamente um pacote de corte de gastos, exige desidratĂĄ-lo e ainda cobra faturas bilionĂĄrias em emendas — disse o sócio e economista-chefe da Warren Investimentos, Felipe Salto.

Moeda de troca
Nas Ășltimas semanas, o pagamento de emendas que estavam bloqueadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) foi usado por parlamentares como moeda de troca para aprovação de medidas econômicos propostas pelo governo. Somente após o Executivo dar aval a um pedido feito por lĂ­deres da Câmara de liberação de emendas de comissão é que o pacote da Fazenda avançou. A legitimidade do pedido, no entanto, é motivo de divergĂȘncia e pode ainda ser questionado pelo STF.

— O Congresso se beneficia de uma situação juridicamente muito confortĂĄvel, na medida em que tem os bônus da contĂ­nua expansão das emendas parlamentares, bem como dos fundos partidĂĄrio e eleitoral, sem a correlata responsabilidade pelo cumprimento das metas fiscais— afirma Élida Graziane, professora da FGV-SP.

Fonte: O Globo

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