Documento estabelece diretrizes para reconhecimento dos quilombos de forma mais simples que tombamento tradicional. Cerimônia de assinatura ocorreu em Brasília, nesta segunda-feira (20), Dia da Consciência Negra. Criança sendo batizada na capela do Vão de Almas, no Quilombo Kalunga, em imagem de arquivo
Fábio Tito/G1
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) assinou, nesta segunda-feira (20), Dia da Consciência Negra, uma portaria que regulamenta o tombamento de quilombos como patrimônio cultural do Brasil.
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O documento estabelece diretrizes para o reconhecimento dos quilombos de forma mais simples e célere do que o tombamento tradicional, segundo o Iphan. Isso porque a nova portaria foi feita com base em um artigo já existente da Constituição, que diz que "ficam tombados todos os documentos e sítios detentores de reminiscências históricas de antigos quilombos".
"Nós pessoas negras, que vivemos em sociedades estruturadas pelo racismo, sabemos bem que um pedaço de papel é o que faz a diferença entre um cativeiro e a liberdade. Entre ser considerada cidadã ou mercadoria, cliente ou criminosa, dona de seu território ou invasora a ser despejada", diz Bruna Ferreira, coordenadora do Comitê Permanente para Preservação do Patrimônio Cultural de Matriz Africana (Copmaf), do Iphan.
Também estiveram presentes na cerimônia o presidente do Iphan, Leandro Grass, a ministra da Cultura, Margareth Menezes, e a coordenadora-geral de Identificação e Reconhecimento do Departamento de Patrimônio Material e Fiscalização do Iphan, Vanessa Pereira.
"Nós estamos construindo uma história nova com a participação da sociedade, a compreensão de uma boa parte da sociedade civil em relação ao significado dessas ações pra gente materializar a reparação e esse reconhecimento dos quilombos. [...] Eu também tenho uma raiz quilombola, por parte da minha mãe", disse a ministra Margareth Menezes.
O que diz a portaria
Quilombo Namastê em Ubá, em imagem de arquivo
Saberes Tradicionais da UFMG/Divulgação
Segundo o Iphan, a "Portaria de Tombamento dos Quilombos" começou a ser elaborada em maio de 2023, e contou com a colaboração dos Ministérios da Cultura (MinC), da Igualdade Racial (MIR) e dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e da Fundação Cultural Palmares.
Para a redação final do documento, o Iphan o submeteu a uma consulta pública por 45 dias, por meio de formulário eletrônico. Também foram feitas reuniões com comunidades quilombolas e entidades representativas dessa população, nas cinco regiões do país.
A portaria define que:
Podem ser tombados tanto sítios que abriguem vestígios materiais de quilombos já extintos ou documentos que façam referência à memória dos mesmos, quanto sítios ainda hoje ocupados por comunidades quilombolas, "que trazem o legado de seus antepassados vivo em suas práticas atuais".
Qualquer pessoa física ou jurídica pode solicitar o tombamento desses documentos e sítios, direcionando o pedido à superintendência do Iphan no estado onde estão localizados.
Dentre as informações exigidas para o tombamento, é preciso apresentar:
Certidão de autodefinição das comunidades envolvidas como remanescentes de quilombos – documento emitido pela Fundação Cultural Palmares;
Quando houver, relatório de identificação e delimitação territorial emitido ou aprovado pelo Incra.
Quem são os quilombolas?
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De acordo com o Censo de 2022, 1,3 milhão de pessoas se autodeclaram quilombolas no Brasil. Quilombola é um termo usado para identificar aqueles "remanescentes de comunidades dos quilombos".
Entre os séculos 16 e 19, os quilombos foram criados por pessoas escravizadas que fugiam do regime de violência imposto pela escravização. Esses espaços de liberdade e resistência se espalharam por todo o país.
Cem anos depois da abolição da escravidão, a Constituição de 1988 criou a nomenclatura "remanescentes das comunidades dos quilombos" e definiu que a essas pessoas que estejam ocupando terras deve ser reconhecida a propriedade definitiva do espaço, "devendo o Estado emitir-lhes títulos respectivos".
Ao longo do tempo, a expressão usada na Constituição foi sendo substituída pelo termo "quilombola"
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